Ermelinda Rôlo
Ermelinda Rôlo é professora de História e Português na Escola EB.2,3 Cardoso Lopes (Amadora). Coordena o Núcleo de Teatro desta escola há 22 anos.
1. Quais são as suas recordações mais marcantes sobre o regime do Estado Novo?
R:
Poucas. Eu frequentei a escola primária em Pero Pinheiro, Castelo
Branco, e a minha turma só tinha meninas. Os rapazes estavam no edifício
contíguo e os recreios eram separados. Mas tal não me afetava, afinal
eu gostava de brincar com meninas. Fiz exame de 4.ª classe com provas
orais, em Sintra. Foi um dia de estrear roupa nova e de algum
nervosismo. Um rito de passagem. O mundo que conhecia dos livros era
ordeiro, o mundo que vivia rotineiro mas seguro. A política não se
comentava, embora o meu pai reivindicasse melhores condições de trabalho
e melhores salários e tivesse feito "greve"! As discussões da minha mãe
eram para alertá-lo do perigo que corria! Recordo o dia em que o meu
pai chegou a casa acompanhado pela guarda republicana a cavalo. Queriam
confirmar que ele não fazia parte dos manifestantes. Falava-se de gente
que era presa porque criticava o governo. Nesse tempo a televisão trazia
imagens de um Marcelo Caetano sorridente e de porte simpático. Era esse
senhor que nos governava, Não parecia perigoso! A guerra no Ultramar
traduzia-se em mensagens filmadas de jovens soldados enviando saudades e
beijos para as mães e noivas! A África ficava tão longe!
2. Onde se encontrava no dia 25 de abril de 1974?
R: Senti a revolução na ânsia de liberdade algo anárquica que se respirava, no frenesim de papel e de palavras de ordem, das primeiras eleições. As ruas estavam repletas de panfletos e de autocolantes lançados e distribuídos pela miríade de partidos que se constituíram. Falava-se de paz, pão e habitação para todos. De alfabetizar o povo e de expropriar latifundiários. Todo um novo léxico. A faculdade com as suas RGAs (Reuniões gerais de alunos) frequentes perturbavam a lecionação normal. Tive professores que lecionavam com chinelos de enfiar no dedo, sentados em cima da secretária e que ao invés de nos ensinarem, falavam do sabor daqueles dias pós-revolução. Tive poucos "verdadeiros" professores na faculdade, daqueles que nos inspiram e arrebatam pela forma como interpretam a história e nos fazem brilhar o olhar ao abrir-nos as portas para saberes que ignorávamos. Desses, tive apenas três. A Faculdade de Letras de Lisboa em 1979 era um "cadinho" de "betinhos", revolucionários de esquerda e eu já conhecia da história o rosto das piores ditaduras. Não era isso que desejava para o meu país. Eu queria ter direito a possuir bens, a trabalhar e a merecer salário digno, para poder constituir família.
R: Foi uma enorme caminhada. Para tentar fazer bem, muito se errou. Continuamos a desejar a utopia democrática. Rodar de partido no poder será realmente democracia? Negar o passado como um todo nefasto é não ter sentido crítico para o presente. De qualquer modo é inegável o ganho que decorreu do fim da Ditadura e da Guerra Colonial e da nossa entrada na União Europeia.
R: Mais sensível ao bem-estar geral, mas pouco atuante num projeto global de futuro, sem se perderem nas quezílias pessoais e partidárias. Muito escrutinada, mais transparente por força das redes sociais, mais vulnerável também. O novo poder são os media. Mas cautela porque este excesso de informação é infelizmente desinformação, sempre manobrada pelos que detém o poder económico, financeiro e político.